MP.809
Wanda Hanke, Dourados - MS, "Caiuás da aldeia Bororó", s.d.

Relato de
Elias Fernandes Cordeiro
Guarani





Transcrição em Português









Brunno Douat: Essa casa já parece maior, né, Elias? E fechada em uma lateral grande. O que você diz sobre essa foto, qual é a sua impressão sobre essa construção ali atrás? Tem até uma cobertura também. Parece que está bem feita, né?

Elias Fernando Cordeiro: Essa aí é maior, essa aí já, pela foto que está pelo telhado dela, eu já consigo ver que é uma casa de reza. É Opy o nome dessa construção, Opy quer dizer casa de reza.É por causa da cobertura, né, ali, e ela é bem maior. Então, ela já, a casa de reza, onde ele já se reúne, dá para ver que já tem um pessoal ali tudo sentado, né, talvez seja para um dia de batismo, de ritual, ou de cânticos, porque na casa de reza é feita várias festividades também, né, dentro dela. Mas quando é para, sim, para curas e danços e rituais, né, ela é usada mais para isso, não como naquela foto que nós vimos, que ela é aberta, então, ela já é diferente.

Então, a casa de reza já é sagrada, então, ela é maior e ela é toda fechada. Ela não é para todo mundo, sim, entrar, sim. É só para quem vai participar mesmo das festividades ali dentro dessa casa.

Otto Braz: Eu queria fazer uma pergunta. É que você falou assim, que já dá pra perceber que pelo telhado é uma casa de reza, o que que tem nesse telhado, é a inclinação, é o material, qual é o fechamento, o que é quando você olhou a foto que dá pra ver pelo telhado que isso é uma casa de reza?  

Elias Fernando Cordeiro: Então, é pelo telhado também, e porque ela é bem maior, né, e ela já é, talvez, não dá para ver aqui por fora, mas talvez por dentro ela teja um revestimento de barro também. Por fora nós podemos ver que é madeira, mas por dentro talvez deve ter um revestimento de barro, sabe? Aquele barro que é uma lama que, geralmente, para quem viu alguma foto, assim, dos povos do Nordeste, eles fazem aquelas casinhas que passam barro nas paredes, né, para não entrar frio, talvez, né? Ela é a estrutura, então, do telhado. Por que do telhado? Já dá para ver.

É porque ela tem uma forma, tipo, de uma casca de tartaruga, né? Ela é bem inclinada para cima, porque, geralmente, quando estão fazendo o ritual, então se fuma muito cachimbo dentro. Quem está participando no momento lá, (todos eles fumam cachimbo, né? Petynguá é o nome do cachimbo. Todo mundo está fumando petynguá, então a fumaça daí não vai ter para onde ir, então ela tem que subir para cima.

Então, por isso, o telhado é mais alto para cima, né? Para a fumaça toda subir para cima. E em cima do telhado ela deve ter umas pequenas aberturinhas, sabe? Para escapar da fumaça, para ela sair por cima. Desse lado aqui não consigo ver, mas talvez deve ter alguma abertura no telhado, assim.

Mas ela é feita assim, igual falei, é para a fumaça do cachimbo subir toda para cima e sair por cima, né? Para não ficar ali dentro, né? Porque a fumaça do cachimbo, porque a gente usa muito fumo preto, então a fumaça é muito forte. E quando chove também ela não molha, por mais que tenha uma aberturinha em cima, ela não molha, não entra água, tá? Mas é para esses tapos de fumaça que eu vou falar, né? Para ficar mais correto para vocês.

Otto Braz: Na nossa primeira conversa, você tinha apresentado duas casas e queria saber  assim, essas construções ficam próximas umas das outras, ficam um pouco mais afastadas, qual é a relação entre uma e outra, ficam num espaço mais afastado, você pode me dizer qual é a relação entre uma e outra

Elias Fernando Cordeiro: Na semana passada que a gente conversou, geralmente as casas, assim, que é para encontro de festas mesmo, assim, da comunidade, né?  Elas sempre ficam, né, um pouco meio que retiradas.

Então a opy, que é a casa de rezo, então ela já fica mais centralizada, é mais centro, né? Mas aí varia, varia agora porque, né, alguns já fazem a casa de rezo um pouquinho já mais retirada do meio das outras casas, né? Porque agora como estão mudadas as coisas, agora, né, às vezes os jovens, né, se tiver a casa muito perto, alguns já começam a escutar outras músicas, então a casa de rezo, como o povo Guarani é muito sagrado, não pode ter, não pode ter no momento da festividade, das rezas, da dança, não pode haver outros barulhos, outras interrupções, né? Porque o pajé tem que estar concentrado, né, nos momentos de rituais, tudo. Então, né, dependendo, nas aldeias, assim, dependendo, né, muitas das vezes a casa de rezo já é um pouquinho mais retirada.

Eu tenho um exemplo ali de Piraquara, da aldeia de Piraquara, a casa de reza, ela era bem centralizada no meio da aldeia, as casas ficavam todas em volta. E esses dias eu estive lá, a casa de rezo já não é mais lá no meio, não é mais centralizada, ela já fica do lado das casas, ela fica mais longinha, né? Então, por isso que eu consigo tirar essa conclusão que a casa de rezo e as outras casas de festividade não precisam ser necessariamente centralizadas entre as casas, né? Então, hoje, né, já mudou um pouco, já mudou bastante, né?

Gabriel: Eu ia só voltar naquela questão do telhado, não sei se só pra mim não ficou muito claro, além da questão do formato, parece que tem a questão do material da construção que são um pouquinho diferentes mesmo, parece que não o jerivá que nem as habitações e o que gente tá acostumado a ver, eu não entendi direito pelas falas do Elias ali o que é a construção, se é um é um jerivá mais tratado de outra forma, ou se é o barro que dá esse aspecto, ou se é algum outro material que faz esse aspecto de cobertura, as bordas são mais aparadas.

Brunno Douat: Parece uma vegetação mais miúda assim né, uma vegetação mais homogênea, lisa...

Elias Fernando Cordeiro: Muito bem, faltou esse detalhezinho mesmo, foi bom você lembrar pra mim Então, o telhado ali, a cobertura, né? A cobertura, acho que você tinha perguntado, e eu acabei não te respondendo certo. A cobertura ali, ela é feita, eu consigo ver aqui, ela deve ser feita de capim sapê mesmo.

O sapê é porque lá na região onde eu morava, morava em Mangueirinha, ela dava muito lá. E dá para ver que ela está bem cobertinha, ela não foi feita de gerivar, né? Igual você falou. Porque senão ela teria todas aquelas carreirinhas, sabe? E ali ela está toda bem perfeitinha mesmo, dá para me ver daqui.

Aí as laterais, dá para ver que foram cortadas, porque as pontas dos capim devem ter passado mais do que o necessário, então elas foram cortadas mesmo. Dá para ver que ela está bem aparadinha ali mesmo, né? Aí a cobertura do telhadinho ficou bem perfeitinha, ficou bem feita mesmo. É por causa do material mesmo que foi usado para a cobertura.

Ali é o capim sapê mesmo.

Gabriel:E isso é uma questão da região, ou é por causa da importância da casa de reza mesmo. Você tem em uma região uma casa de sapê e de Jerivá, ou é uma questão do tipo de edificação mesmo?

Elias Fernando Cordeiro: Não é muito assim por causa da... Como é que eu posso dizer? É por causa da região mesmo. Às vezes tem região que tem mais jerivá, então vamos usar folha de jerivá, porque tem bastante, dá para nós utilizar.

Mas se não tem gerivar, só tem capim sapê? Não, vamos usar sapê mesmo. Então não tem muita importância, depende da região que tenha bastante o material necessário para a cobertura, então ela é utilizada. Só voltando um pouquinho aqui a questão, tem casos de reza também que hoje, como a gente está vivendo mais na modernidade hoje, tem casos de reza que já é coberta com eternite também, que é mais fácil, então ela rende mais, dá menos trabalho também para quem vai construir, para quem vai cobrir ela.

Então antigamente, é porque não tínhamos acesso mesmo, e não tínhamos recursos para estar comprando a eternite, ou até telha também. Antigamente a gente não tinha muito esses... esses benefícios que a gente tem hoje, de estar conseguindo comprar material, tudo assim. Mas a caso de reza, ela não tem muita importância não para a cobertura, pode ser coberta do que quiser, do que a comunidade decidir, cobrir ela, vamos cobrir de sapê, vamos cobrir jerivá.

Ah, não, vamos cobrir só de telha. Então, o que importa é... Para as aldeias na região que tem uma casa de reza, não importa muito assim a forma que ela é feita, do que tipo ela é coberta.



Tem algo a dizer sobre esta fotografia?
Envie seu relato.