MP.KO.7220
Vladimir Kozak, Serra dos Dourados/PR, s.d.

Relato de
CLAUDEMIR DA SILVA E DIVAL DA SILVA
 XETÁ





Transcrição em Português




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Brunno Douat: Essa imagem tem vários elementos Claudemir e Dival, que a gente fica curioso de entender o significado, a função desses elementos. Então a gente vê que tem aqui alguns elementos na cobertura, o que seria esse elemento qual o significado desses crânios ali colocados na cobertura do tapuy? Tem algum significado de ritual, de nomenclatura assim, de definir aquela moradia é de tal pessoa?

Claudemir da Silva Xetá: Não, não. Isso aqui na verdade, esse em cima que você tá vendo aqui, é uma cabeça macaco que tá em cima da tapuy, e aqui nesse momento eles estão relaxando, dá pra ver ali no canto que tem umas pessoas que estão se alimentando,e tem outro dentro, você enxergou?

Brunno Douat: Sim, sim.

Claudemir da Silva Xetá: Então, analisa ai que eles estão comendo uma fruta e lá dentro tem um pessoal sentado, esse um sentado aí pra fora, é uma tapuy normal, não é nenhum ritual, é uma cabecinha de macaco que tá na coberturinha lá enfeitando

Brunno Douat: Então é mais uma decoração assim essa cabeça de macaco ali? Não tem nenhum significado de proteção pra casa, tem um significado específico ou é mais decoração mesmo?

Claudemir da Silva Xetá: Isso aqui é um enfeite, na verdade é decoração, uma decoraçãozinha e aqui são uma família curtindo de boa dentro do barraco deles.

Brunno Douat: Aqui Dival e Claudemir, aqui a gente vê essas folhas maiores, essa estrutura de folhas maiores apoiadas no tapuy, isso aqui vocês diriam que são partes desse tapuy mesmo para fechar entrada algumas vezes, que a gente vê em outras fotos que tem folhas mais soltas, distribuídas pelo espaço, pra pessoa deitar, ficar ali numa sombra no meio do descampado. O que vocês diriam que seriam esses elementos mais soltos assim?

Claudemir da Silva Xetá: Isso na verdade, muitas vezes eles fazem isso com as folhas para dar uma enxugada, você entendeu? E depois, muitas vezes eles fazem uma esteira, não sei se você viu a esteira?

Muitas vezes eles fazem isso pra fazer a esteira que eles deitam em cima. Não sei se você viu essa esteira que eu tô falando?

Brunno Douat: Eu acho que sim, em algumas fotos a gente vai ver elas, alguns exemplos.

Claudemir da Silva Xetá: Com certeza a gente vai ver sim. Esse aqui já é o processo das esteiras.

Brunno Douat: Então é um processo de secar, essas folhas estão num processo, elas não estão guardadas, elas estão ali para serem utilizadas no futuro, como esteira, enfim. Maravilha.

Claudemir da Silva Xetá: Exatamente, esse processo

Brunno Douat: Pode falar.

Claudemir da Silva Xetá: Esse processo que a gente tá falando, que na verdade ela não seca é só pra dar uma enxugada, só pra dar uma laceada pra gente trabalhar.

Brunno Douat: Entendi.

Otto Braz: Oi pessoal! Eu queria fazer uma pergunta né, foi comentado que o pessoal ali tava se alimentando ali do lado esquerdo, e eu queria saber assim o normal era a alimentação ocorrer ao redor, ao relento? Como eram esses momentos de alimentação assim, a família se juntava? Como funcionava isso?

Claudemir da Silva Xetá: Na verdade, eles não têm um local certo pra alimentação sabe? Eles tanto fazem no mato, no terreno igual vocês tão vendo aqui, em que eles tão fora da tapuy. Eles não fazem tanta questão de um local específico pra alimentação. Qualquer lugar que eles se reúnam, se alimentam e assim por diante.

Marina Obba: Eu fiquei curiosa, tem um contraste bem grande, bem diferente o lugar, o pedaço do chão, que tem a tapuy, tem o pilão, o fogo, enfim esses vários elementos que compõem o espaço do dia a dia e tem um limite bem claro onde acaba esse chão limpo, esse chão batido e essa vegetação. Isso é sempre assim? Tem um lugar de chão limpo onde se constrói os tapuys e onde acontecem as atividades do dia a dia, ou não, isso varia?

Claudemir da Silva Xetá: Pode repetir pra mim, por favor?

Marina Obba: É que nessa foto parece que tem uma parte de chão bem limpo né, bem sem nada de vegetação, e atrás das pessoas que estão comendo tem um mato mais alto, um mato começando assim, não tem árvore. Sempre tem essa diferença? Toda vez que vai construir o tapuy limpava primeiro o território?

Claudemir da Silva Xetá: Esse local limpo que vocês tão vendo, ele é só o local da vilinha deles sabe. Tem uma história deles, não sei se vocês já ouviram: eles tem o lugar do acampamento deles, bem grande, que ali ficava tudo e o que acontecia era igual os dias de hoje. Vamos dizer que São Jerônimo tá fraco de serviço: a gente vai pra Londrina, vai pra São Paulo, Rio de Janeiro né digamos assim. Com eles não era diferente., o que aconteceu. Aqui, nesse limpado que vocês tão vendo, era um acampamento. Às vezes as frutas, a caça, a pesca, davam uma enfraquecida, e eles sumiam para o mato, esse escuro aqui é a mata. Eles entravam mato adentro e andavam coisa de cinco, seis meses e, depois de passar um tempo, eles tinham uma data definida pra todos se encontrarem ali de novo, entendeu? Eles se reuniam tudo, tinha a poengueque é a casa grande, eles iam fazer a comemoração deles, fazer o assado, fazer as bebidas típicas deles, a comemoração do reencontro deles, eles faziam o assado ... do reencontro deles. Ou seja, igual a data que nós temos hoje. Às vezes vem parente de longe passar o final de ano, o natal. Então tinha essa data especificamente deles. Andavam seis meses e, após esses seis meses, se encontravam tudo aqui, você entendeu? Aí eles iam fazer a comemoração deles, fazer o assado, cantar dentro da casa grande. Ali entrava só os homens, as mulheres não podiam entrar. A única que podia entrar era moça que nunca tinha tido relação sexual com homem nenhum. Ela entrava. E tinha um pau de atravessado que os homens erguiam cantando e essa moça pegava a porunguinhae servia na boca de cada um daqueles homens. Os mais fortes ficavam de pé, e os que vai ficando bêbados iam caindo. No outro dia era só alegria, tiravam sarro um do outro, iam tomar um banho. Quando acordavam com muita ressaca como nós falamos hoje, passavam urtiga no corpo pra despertar, acho que vocês conhecem a urtiga, aquela folha que queima. Depois iam tomar banho e iam cuidar dos seus afazeres, iam fazer armadilha, flecha, etc...

Josi: Passava urtiga no corpo pra despertar?

Claudemir da Silva Xetá: Isso, urtiga. Passava urtiga pra curar a ressaca deles.

Josi: Credo.

Brunno Douat: Galera forte.

Ingrid: Você tá de ressaca e ainda passa urtiga

Claudemir da Silva Xetá: E em seguida você ia pro banho e adeus ressaca. É isso, respondendo a pergunta da moça lá.

Brunno Douat: Sim. E até acrescentando o que a Marina acabou de falar, dessa relação do chão e essa mata ao redor do tapuy, esse mato aqui, ele é um mato nativo da mata aqui, ou as vezes plantava algo logo do lado tapuy, atrás do tapuy se plantava comida, enfim, fazia se uma horta logo do lado ou era algo longe?

Claudemir da Silva Xetá:  Não, os índios não mexiam com plantação. Tudo isso é mata nativa, e como nós costumamos dizer, a natureza dava toda a alimentação, tudo que necessitavam no dia a dia. A própria natureza dava pra eles, tanto é que quando eles iam tirar o mel, não faziam como hoje que a gente tem um costume tão chato, que as vezes quando a gente encontra uma abelha quer limpa tudo de uma vez, eles não, eles tiravam um pouco e deixavam um pouco. O que eles diziam: no ano que vem, essas abelhas que não se iam embora, elas iam reproduzir de novo e iam dar pra colher de novo. Deixavam aquela ali e iam procurar outra. E hoje não, enquanto a gente não vê o fim nós não sossega

Brunno Douat: Eram coletores então